sexta-feira, março 04, 2011

Salto Angel 2






Entrevista publicada no site Webventure:

- Como vocês formaram o grupo? De quem veio a idéia?
Quem teve a idéia foi o Waldemar Niclevicz. E convidou o restante do grupo, que, obviamente já tinha conhecimento sobre a região dos tepuys e sobre o grande desafio que era a escalada do Salto Angel. Todos já havíamos visto alguma matéria em revista ou o vídeo do Arnaud Petit sobre a repetição em livre desta mítica via. O Waldemar foi o responsável pela organização e planejamento da expedição, pois tinha contatos lá na Venezuela que foram primordiais para organizar toda a logística e transporte da equipe até base da via.

- Como foi a preparação para a viagem/escalada?
Todos os membros da expedição são escaladores ativos, com experiência de 15, 20 ou até 30 anos. Todos nos conhecíamos (com exceção do membro Venezuelano da equipe) e pensávamos de maneira parecida em relação ao montanhismo e ao estilo de escalada. Nunca havíamos escalado juntos (os seis componentes juntos). Porém estávamos bem preparados física e psicologicamente. Eu treino e escalo há 10 anos com o Valdesir. O Chiquinho, Serginho e Waldemar já haviam escalado na Trango juntos. E o Alfredo foi o mais animado e positivo membro da equipe, cimentando nosso excelente relacionamento durante os 30 dias de expedição.

- Houve pedido de autorização para a escalada? Isto é necessário para este parque na Venezuela?
Não houve. Sim, soubemos depois que deveríamos ter pedido autorização. Na verdade o que temos são muitas informações desencontradas. Com o aumento das atividades de aventura nos tepuys o pessoal do Inparques (órgão responsável pelos parques nacionais na Venezuela) não sabe muito bem como proceder. Eles dizem que é permitido escalar, mas que vão analisar cada petição e como seu sistema de decisão é muito burocrático, isso pode demorar muito. Outra pessoa nos disse que se pode escalar, mas que não é permitido filmar. Então, ficamos sem saber o que pode e o que não pode realmente. Acredito que em breve haverá regras definidas para as atividades de aventura nos parques venezuelanos. Neste momento, os escaladores daquele país estão em contato com os diretores do Inparques para explicar-lhes como funcionam as atividades de aventura (escalada, base jump...) e oferecer-lhes alternativas para a concessão de permissões para estas.

- Como foi a aproximação do Tepui?
Foi complexa. Partimos do Brasil rumo a Caracas. Aí chegando nos faltou uma bolsa na qual havia cordas estáticas e dinâmicas. Desta cidade saímos em ônibus até Ciudad Bolivar, viajamos toda a noite e chegando lá pela manhã nos faltava uma caixa de comida... Pela manhã colocamos nossos 400Kg de equipamentos em 3 avionetas. Voamos até a Aldeia Indígena de Kamarata. Neste mesmo dia subimos (10 pessoas + 400Kg de equipamentos e comida) em apenas uma Kuriara (espécie de canoa gigante) e fomos levados pelos índios Pemons até Isla Raton (acampamento onde começa a trilha que leva até a base da via). Foram 3 dias de viagem pelos rios, pois estes estavam muito baixos o que demandava muito esforço para vencer os trechos mais rasos. Às vezes tínhamos de retirar toda a carga e transportá-la pela mata enquanto os índios cruzavam corredeira enormes. Depois começou o porteio de toda a nossa carga para a “cova de los españoles”, nosso acampamento base, este embaixo de uma grande rocha a meia hora da base da via.

- Poderia descrever o local da parede de onde sai essa via? Ela é a mais alta/difícil da parede?
Esta via que foi chamada pelos espanhóis de Directa está à esquerda da cachoeira, no anfiteatro chamado Gran Bóveda. É a única via desta porção do Auyan Tepuy. Na Gran Bóveda forma-se um micro-clima úmido e onde o sol penetra somente até 10-11 horas da manhã. Isto fornece as condições necessárias para que a rocha seja de péssima qualidade, decomposta e cheia de blocos soltos e afiados. Alie-se a isso uma parede com uma via de 1000 metros de extensão e negativa e teremos umas das vias mais desafiadoras do planeta. Há mais vias neste mesmo tepuy, mas não estão na Gran Bóveda, estão à esquerda e à direita dela e em termos de dificuldade nem se pode comparar.

- Qual é o histórico de ascensão nesta via?
A Gran Bóveda consistia em um grande desafio para os amantes de escaladas extremas, mas rechaçou muitos times, provavelmente porque seja a maior “parede negativa do mundo” (site Planet Fear). Até que em 1990 dois dos maiores bigwaleros do mundo, os espanhóis Jesus Galvez e Adolfo Medinabeitia, após uma investida que durou 26 dias abriram a via Directa, que é a linha natural daquela parede. Foram 31 cordadas e até A4 de dificuldade de escalada artificial. Em 2005, o inglês visionário John Arran, após duas tentativas anteriores, conseguiu, com uma equipe de 7 pessoas, não só repetir a via, mas escalar todas as cordadas em livre em 19 dias. Em 2006, um time liderado pelo famoso escalador francês Arnaud Petit faria a segunda repetição também em livre e confirmando a fama de extrema da via. Em suas palavras, retiradas do site Planet Fear:
In French grading it means that 7b (8b brasileiro) sections are compulsory and dangerous and the hardest pitches would be graded like this: 4 pitches 7c/7c+ (9a/9b BR), 4 pitches 7b+ (8c BR), 5 pitches 7b (8b BR), 5 pitches 7a/7a+ (7c/8a BR), 5 pitches 6c/7a (7b/7c BR). The easier pitches are either on loose or wet rock; actually there are no “easy” pitches.
Well. We got shattered. At the bottom of the wall it’s way scary! It’s gloomy, you get the waterfall right in your face, the overhang is weighing upon you, and you can see the rock is shitty… In fact some pitches are really scary! In one of them it’s simple: you fall you die! And it’s no cushy climb, rather 7b+. We classified every pitch in three categories: either exposed, very exposed or super exposed!

- Quando perceberam que não seria possível rapelar para sair da via? Como foi esse momento?
Quando se escala qualquer parede negativa, chega um momento em que corta o cordão umbilical e a única saída é pelo cume. Nós já sabíamos disso. No caso do Salto Angel tem um negativo monstruoso no meio na via que é chamado Derribos Arias e quando passamos dele e retiramos as cordas ficamos por nossa conta. Mas já sabíamos disso antes de sair do Brasil. Alguém pode pensar que poderíamos descer de qualquer ponto da parede porque tínhamos mais de 1000 metros de cordas. Já pensou em passar no atc uma corda de 700 metros (imagine o peso dela) e a cada 60 metros ter de repetir a manobra para passar o nó?

- Como foi o contato, e a receptividade, das autoridades locais para a autorização de vocês prosseguirem?
Quando já estávamos desligados do solo recebemos uma chamada pelo rádio do sétimo membro da equipe, Orlei, que estava no acampamento base. Ele dizia estar com o responsável pelo Parque Nacional e que este queria se comunicar conosco. Ele pediu-nos pelo rádio que descêssemos. Dissemos que não era possível. Então esta pessoa nos disse apenas que terminássemos a escalada e depois nos dirigíssemos a Canaima para prestar esclarecimentos.

- Como foi o momento de espera até terem o ok deles?
Claro que ficamos muito apreensivos nos dias que se seguiram ao contato do pessoal do parque. Além da tensão da escalada (o trecho final foi o mais exposto) ainda tínhamos mais este problema para digerir. Não estávamos em nosso país e pelas nossas cabeças passaram mil coisas, apesar do tom amistoso do senhor que conversou conosco pelo rádio. Terminamos a via e seguimos diretamente para a sede do parque em Canaima. Foram muito estressantes estes momentos até a chegada em Canaima. Porém quando lá aportamos nossas dúvidas e preocupações se dissiparam. Não houve repreensão ou maus tratos. Apenas relatamos tudo o que aconteceu e pudemos voltar para o Brasil.

- Você mantém a classificação de 8c e o grau de exposição?
Como está escrito no texto do Arnaud Petit, a via tem trechos de 8b (graduação brasileira) obrigatórios e trechos de 9a/9b brasileiro super expostos. Nós não fomos para lá com a intenção de fazer em livre a via. Fazer em livre significa encadenar todas as 31 cordadas, o que quer dizer, guiar sem quedas e sem se pendurar nas proteções os 1000 metros da via. Nós escalamos mesclando livre e artificial. Às vezes estávamos no meio de um A3 e as fissuras se acabavam, e não tinha nenhuma agarra nem pra colocar nem um cliff (gancho) e tínhamos de subir no último degrau do estribo e sair em livre agarrando-nos em pedras soltas. Isso é muita exposição. Porque se você cai, as proteções do trecho de A3 podem não suportar a queda.

- É verdade que a escalada nesta via estaria proibida por lei?
Não sei. Só sei que não existe nenhum relato de que alguma equipe tenha pedido permissão para escalar qualquer um dos mais de 100 tepuys existentes na Venezuela.

- Existem mais vias na mesma parede, com as mesmas condições?
Acredito que não. Rapelamos por uma das vias que estão à esquerda da Gran Bóveda, a via Japonesa, e a rocha era infinitamente melhor.

- Você considera este o Big Wall mais difícil do mundo? Para escalada em livre e artificial?
Acredito que esteja entre os mais difíceis e complexos do mundo pelo conjunto da obra. Pela complexidade da escalada, pela imensa logística, pela dificuldade de se chegar até a base com todo o equipamento necessário, pela precariedade das proteções (mesmo as paradas da via eram precárias e às vezes tínhamos de equalizar 8 peças para termos uma parada mais ou menos confiável). Só pra se ter uma idéia dos equipamentos usados: camalots, friends normais, friends off set, linkcams, tcus, micro-friends, aliens, ball-nuts, pítons, stoppers, micro-nuts, rurps, chumba heads, copper heads, pekers, muitos mosquetões, fitas, estribos, daisys reguláveis, polias, jumares... e a lista segue).

Vídeo sobre a escalada da equipe francesa de 2006: Amazonian Vertigo
Trailer do filme: http://www.youtube.com/watch?v=VVTyzmBdU84

Foto 1- Sergio Tartari quase chegando ao campo 2, na 8ª cordada da via. Foto: Edemilson Padilha
Foto 2- Ed guiando cordada “sinistra” cheia de pedras soltas no início e com rocha molhada no final, graduada pelos franceses em 7b cassant mouillé (8b brasileiro delicado e molhado!). Nesta cordada um friend sacou da fissura, o que gerou uma queda de uns 10 metros e o rompimento da capa de uma de nossas cordas por conta de uma aresta afiada! Foto: José Luis Hartmann
Foto 3- Nossas acomodações para dormir no campo 3, melhor ponto de acampamento da parede: 4 pessoas dormiam nos platôs naturais e 2 nos porta-ledges. Foto: Valdesir Machado
Foto 4- Pemon adiante na Kuriara avisando ao “capitão” da embarcação sobre possíveis pedras. Foto: Edemilson Padilha